Entrevista com Júlia Studart
Editora da Uerj, 29 Julho 2014
Editora da Uerj, 29 Julho 2014
1 - Qual foi o maior desafio de trabalhar com o material literário de Nuno Ramos? (aliás, foi vc que o escolheu
para tema de sua análise?)
O fato é que eu
fazia um pós-doutorado na Unicamp a partir do
trabalho do Nuno Ramos, com bolsa de pesquisa financiada pela FAPESP. E antes
disso o trabalho dele
já era muito presente nas minhas pesquisas, nas
minhas leituras diárias, porque me interessa muito. Tudo isso o
deixou muito perto da mão. Sem
contar que, acho, o trabalho do Nuno merece uma apresentação ou uma publicação de
mais fôlego a mais gente, construção de acessos, sentidos etc. Foi assim que propus
ao Ítalo (Moriconi), coordenador da Ciranda, que topou
prontamente. E aí começou
o meu impasse e desafio: pensar a complexidade e as modulações do trabalho expandido do
Nuno dentro de uma coleção
dedicada à poesia. Há mesmo uma impossibilidade de
fixá-lo, de reduzi-lo a uma
forma, a uma ideia de gênero,
de verso etc. O trabalho do Nuno, prioritariamente, muda de forma, não se fixa, está muito mais perto de uma
forma-informe, de uma forma fraca, e
essa foi sem dúvida uma
dificuldade: dar a ver essas modulações por dentro da forma, a potência dessa metamorfose que
atravessa tanto os seus livros quanto o seu trabalho como artista visual. Indistintamente.
2 - Anteriormente, você já
acompanhava o trabalho de Nuno Ramos?
Já acompanho há algum tempo, desde a publicação do primeiro livro,
"Cujo", em 2003 – o meu livro favorito. Livro que
tenho, porque ganhei dele, aquela primeira edição numerada, linda e rara, num papel e
capas especiais. Talvez depois disso é
que tenha ficado mais atenta ao seu trabalho de artes visuais, até que em 2013 transformei tudo
isso em pesquisa de pós-doutorado.
3 - E a antologia de versos que é apresentada no título. Como foi este processo
de escolha?
Bem,
como toda antologia – e acho o termo um tanto problemático, prefiro
pensar numa reunião espontânea, apenas –, existe aí muito dos meus interesses, das
coisas que mais gosto no trabalho do Nuno entre invenção e algumas insistências,
que gosto de chamar de 'imagens intermitentes', que são recorrentes no
seu trabalho. Também
tentei, minimamente, dar a ver as variações
do seu texto até o ainda inédito "Sermões", experiência
extremamente distinta dos outros livros.
4 - E como se chegou à inclusão de material de Sermões?
Nuno
Ramos possui alguns livros publicados, mas que felizmente não
se deixam fixar tão facilmente [principalmente se pensarmos em categorias como
a de gênero
literário]. Já que a ideia da
coleção é dar uma pequena mostra do
trabalho com a linha, com o verso, com o poema em prosa e com o pensamento, falei
do livro-antologia para o Nuno e perguntei se ele não estava com nada pronto ou se trabalhava em algum
projeto novo relacionado à poesia – o que daria outros sentidos tanto
para a minha leitura crítica, quanto para a seleção de textos. Foi assim que me disse do
seu "Sermões" e que
gentilmente me cedeu para leitura e uso de alguns fragmentos. O bacana foi que “Sermões”
terminou por provocar uma boa conversa e troca entre nós dois acerca de outras questões.
5 - Você acredita que existe algum tipo de diferença em relação a autores que se expressem apenas com a literatura para aqueles como Nuno
Ramos que utilizam várias formas como a artes plásticas, músicas, etc? (aqui nesta
pergunta me refiro ao processo de criação. Por exemplo, se vc acha que o artista plástico Nuno Ramos poderia influenciar o escritor Nuno Ramos)
Faz toda
a diferença. Por mais que o
próprio
Nuno procure separar essas duas instâncias
[escritor e artista visual, sem contar as suas outras tantas atribuições],
seu trabalho é absolutamente
impuro, contaminado. Alguns trabalhos de arte incorporam textos seus ou de
outros poetas, como Manuel Bandeira e Drummond, e seus livros se armam como
grandes instalações movediças, extremamente plásticas, instáveis. Ou seja, Nuno, mesmo sem
que o saiba [se é mesmo que não sabe], arma uma grande transparência
entre os seus trabalhos, todos eles, e cria uma espécie de “ambiente”,
como parece estar definido já em “Cujo”: “A transparência é
uma camada que mal se percebe (a não ser pelos reflexos), mas que cria
uma espécie
de ambiente.” O que dizer de um livro como "Cujo", um misto de
instalação,
poema, livro de notas e procedimentos de trabalho? Sem contar que Nuno Ramos é um excelente leitor de nossa
melhor tradição, carrega uma biblioteca no corpo [o que me interessa
muito para o que penso e para o que faço no meu trabalho] e faz com que seu
trabalho seja de fato muito singular no meio de toda essa nossa produção muitas vezes incipiente e
pobre em invenção.
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